Doença de Gaucher
Fisiopatologia da Doença
A Doença de Gaucher (DG) faz parte do grupo de 50 doenças relacionadas ao depósito lisossômico, caracterizada como um erro inato do metabolismo por defeito na produção de glicorebrosidase, enzima responsável pelo metabolismo de glicorebrosídeos. Por não ocorrer a quebra dessa gordura, ela se acumula nos lisossomos e as células adquirem aspecto peculiar (inchadas) e não realizam seu metabolismo normalmente – essas células são chamadas de células de Gaucher.
Os Erros Inatos do Metabolismo (EIM) caracterizam-se por distúrbios de natureza genética que geralmente correspondem a um defeito enzimático, levando a interrupção ou desvio de uma via metabólica. Ocasionam, portanto, alguma falha de síntese, degradação, armazenamento ou transporte de moléculas no organismo. Tais erros do metabolismo são considerados a causa das Doenças Metabólicas Hereditárias (DMH) em que a ausência de um produto esperado, acúmulo de substrato da etapa anterior interrompida ou o surgimento de uma rota metabólica alternativa podem levar ao comprometimento do metabolismo celular de vários órgãos (Magalhães, 2013).
Base genética
A DG é uma condição geneticamente determinada, herdada em caráter autossômico recessivo, que afeta progressivamente múltiplos órgãos e tecidos do organismo, sendo uma condição crônica e debilitante (Magalhães,2013). O principal gene envolvido é o GBA - ácido beta glicosidase - (1q21), que codifica a enzima GCase (glicoserebrosidase), cuja deficiência total ou parcial pode levar à manifestação da doença. O gene GBA possui aproximadamente 7Kb e está subdivido em 11 exons, originando após o processamento, um polipeptídeo maduro de 497 aminoácidos. O transporte da GCase até a membrana do retículo endoplasmático rugoso requer um peptídeo sinalizador, que é removido na fase de maturação da enzima. Como o gene GBA possui dois códons ATG iniciadores funcionais, a sequência removida pode ser de 39 ou 19 aminoácidos. A GCase recém-sintetizada é transportada ao lisossomo por uma via manose-dependente, sendo crítica a glicosilação da enzima para esse transporte. A GCase é uma enzima que, quando ativa, está associada à membrana lisossomal (Rosenberg, 2006).Em média já foram encontradas mais de 200 mutações relacionadas com a DG, sendo que as mais prevalentes sãoN370S e L444P. A variação das mutações está inteiramente ligada com a forma genotípica da doença, as mutações envolvidas são divididas em grupos: leves, graves e alelos nulos (Rosenberg, 2006).
Aspectos Clínicos
A falta de produção ou produção insuficiente da glicocerebrosidase pode acarretar diversas consequências para o paciente. A DG é dividida em 3 tipos de acordo com o grau dos sintomas apresentados. De uma maneira mais geral os tipos da DG são classificados em não-neuropáticos e neuropáticos – que consiste em manifestações neuropatológicas.
- Tipo I: Não neuropática, é também chamada de forma crônica não neuropática ou forma do adulto. É a mais frequente DG. Manifesta-se por visceromegalias, alterações hematológicas e variações no envolvimento ósseo.
- Tipo II: Neuropática aguda, ou forma infantil associada a alterações neurológicas graves e visceromegalias, levando à morte nos primeiros dois anos de vida.
- Tipo III: Neuropática subaguda, também chamada de forma juvenil, pode ocorrer em qualquer fase da infância e combina aspectos das duas formas anteriores com disfunção neurológica lentamente progressiva. Os pacientes que sobrevivem até a adolescência podem viver por muitos anos.
Diagnóstico
O diagnóstico considerado padrão-ouro é a análise da atividade enzimática da glicocerebrosidase em sangue periférico que costuma estar entre 5 a 10% da sua atividade normal. Embora seja um exame pouco invasivo e de fácil realização, muitos pacientes sofrem com a demora da suspeição da doença e consequente retardo do diagnóstico (Magalhães, 2013). É interessante também que sejam realizados exames para identificação das mutações porque assim pode-se reconhecer melhor qual o tipo da DG que o paciente apresenta, além de facilitar também o aconselhamento genético do paciente e seus familiares.
Tratamento
Os tratamentos mais convencionais utilizados são os de reposição enzimática (TRE). O TRE consiste em dar ao paciente doses necessárias da glicocerebrosidase para que seu organismo consiga realizar as reações bioquímicas necessárias para a quebra de glicoserebrosídeo, evitando assim o seu acúmulo. Outro tratamento farmacológico utilizado é a terapia de Redução de Substrato (TRS) ou Inibição da Síntese de Substrato (ISS) que consiste em inibir o glicocerebrosídio através de um açúcar, N-butildeoxinojirimicina. Essa terapia é indicada em casos que o paciente não apresente melhora com o TRE convencional, quando mesmo tratado diretamente com a enzima o organismo não consiga absorver e/ou eliminar por completo o substrato. Existem centros especializados para fornecer o tratamento em todas as regiões do Brasil, no Maranhão os tratamentos são realizados no HEMOMAR, localizado na Rua Cinco de Janeiro, s/n – Jordoa – Cep :65.040-450. A lista com todos os hospitais de referência do país está disponível no site: www.doencadegaucher.com.br/.
Epidemiologia
Poucos dados epidemiológicos são registrados sobre essa doença no Brasil. No entanto, o Serviço de Genética Médica do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (SGM/HCPA) no Rio Grande do Sul (RS), único centro de referência para Erros Inatos do Metabolismo no país, registrou, entre janeiro de 1982 e outubro de 2003, 412 pacientes diagnosticados com Doença de Gaucher (Krug, 2007). No Maranhão, município de São Domingos do Maranhão, foi encontrada uma família de 11 indivíduos, dos quais 5 foram diagnosticados com esse erro inato do metabolismo (Nascimento, 2014).
Associações de Apoio a Doença de Gaucher