Por que há diferenças de prevalência de doenças entre países?
Atualizado: 27 de fev. de 2020
Uma perspectiva sobre o efeito fundador e mutações fundadoras
Por: Airi Carvalho e Jessica Paiva
O que é efeito fundador?
Entre grupos populacionais e étnicos podem ser observadas variações em frequência de alelos que predispõem determinadas doenças, como também podem ser registradas variações importantes na incidência de doenças. Fatores que podem determinar esse fenômeno podem ser: o isolamento genético de uma população - que pode ser causado pela taxa de casamentos endogâmicos e/ou isolamento geográfico - ocasionando a falta de fluxo gênico, assim a mutação tem poucas chances de se espalhar através da reprodução com outros grupos populacionais; como também, no início do estabelecimento de certa população pode ter ocorrido deriva genética, ou seja, poucos indivíduos deram origem à população, ocasionando a distribuição não aleatória de alelos nos indivíduos e nas gerações descendentes. Se um dos fundadores originais de um novo grupo populacional tiver um alelo relativamente raro, por consequência do novo grupo ser menor, estatisticamente esse alelo terá uma frequência muito maior do que no grupo maior do qual o fundador se originou. Esse fenômeno evolutivo é denominado efeito fundador. (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2016)
O que são mutações fundadoras?
Sendo assim, o efeito fundador conceitua as mutações fundadoras, as quais surgiram em populações que durante milhares de anos podem se manter isoladas e sendo passadas de geração em geração, assim algumas mutações tornam-se bem mais frequentes em certas populações. (SYBILLA, 2011; Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade de Porto et al., 2019)
Na maioria das doenças genéticas, os portadores acabam morrendo antes de atingir a idade reprodutiva, impedindo a transmissão dos genes alterados às gerações futuras. Diferentemente, as mutações fundadoras, que em sua maioria possuem herança recessiva, têm a característica de dar vantagens ao indivíduo heterozigoto (apenas um alelo mutado) frente às condições ambientais, mesmo que em homozigose (os dois alelos de um gene mutados), essas mutações sejam deletérias. Dessa forma, portadores de apenas um alelo se reproduzem e passam aos seus descendentes o alelo mutado, ocasionando grandes frequências em uma dada porcentagem da população. (NUSSBAUM; MCINNES; WILLARD, 2016; DRAYNA, 2005).
Por terem a frequência das mutações aumentadas, o risco a certas doenças resultantes delas também aumenta consideravelmente para tais populações e seus descentes. Por isso, as mutações fundadoras têm chamado muita atenção de geneticistas, sendo a explicação de, por exemplo, alguns cânceres hereditários. (SYBILLA, 2011; Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade de Porto et.al, 2019)
Exemplos:
Um exemplo de como essas mutações podem ser benéficas é o caso da prevalência da mutação do gene da hemoglobina, fazendo com que este produza uma hemoglobina diferente, a S (HbS), condicionando indivíduos à anemia falciforme, em regiões onde a malária é endêmica, sobretudo na África ocidental (Figura 1). Nessas regiões há uma relativa imunidade à malária em indivíduos heterozigotos para a condição da HbS, pois pessoas com anemia falciforme não contraem malária, já que o Plasmodium causador da doença não se desenvolve nas hemácias em forma de foice, característica da anemia falciforme. Essa condição preservou a espécie humana em um habitat malárico. Na ausência de dessa mutação a espécie humana, nessas regiões, talvez tivesse sido extinta (Bioquímica Afro Brasileira, 2011).
Imagem 1 – Mapa mundial da frequência alélica da hemoglobina S

Adaptado de: THACHIL, J; OWUSU-OFORI, S.; BATES, I.
Um exemplo nacional é o albinismo da Ilha dos Lençóis, próximo ao município de Cururupu, no Maranhão, em que uma pequena população fundou uma colônia e, com isso, os alelos possuídos por seus membros, ainda hoje, são derivados dos poucos alelos originalmente presentes nos fundadores, esse efeito fundador e a alta taxa de casamentos consanguíneos (SOARES; GUIMARÃES, 2014; PEÑA,2014), fazem com que a ilha possua uma frequência bastante elevada de albinismo, sendo 1 a cada 33 indivíduos (3%), em relação à frequência mundial de 1 a cada 20.000 (0,00005%). (FREIRE-MAIA; CAVALLI, 1978; PEREIRA, 2009; SHEWAN; MCHUGH, 2005)
Contribuições à ciência
Diversos estudos permitiram perceber que judeus Ashkenazi possuem uma frequência elevada de três mutações especificas nos genes BRCA1 e BRCA2, que causam câncer de mama e ovário. Com base nisso, foi criado um teste que analisa apenas a presença dessas três mutações (BRCA1 – Mutações 185delAG e 5382insC e BRCA2 - Mutação 6174delT)[JP1] , o que tornou o teste mais barato, sendo importante para o diagnóstico e caracterização dos cânceres. Além desse, outros testes de genética molecular surgiram a partir da percepção do efeito fundador e de suas relações com a frequência aumentada de certas doenças, como o Oncotype DX, que analisa 21 genes do tecido mamário pela técnica de PCR e o MammaPrint, que analisa 70 genes através da técnica de Microarray. (COELHO et al., 2018; Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade de Porto et.al, 2019)
É valido ressaltar que apesar de mutações fundadoras serem causadoras de doenças, esse é um ramo da genética e evolução que prossegue em desenvolvimento e muitos benefícios da presença de heterozigose podem ainda não ter sido identificados.
REFERÊNCIAS
COELHO, A. S. et al. Hereditary predisposition to breast cancer and its relation to the BRCA1 and BRCA2 genes: literature review. Revista Brasileira de Análises Clínicas, Rio de Janeiro, v. 50, 2018. Disponível em: <http://www.rbac.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RBAC-vol-50-1-2018-revista-completa.pdf>. Acesso em: 24 jan. 2020.
DRAYNA, D. Human Taste Genetics. Annu Rev Genomics Hum Genet. v. 6, 2005.
INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO E INOVAÇÃO EM SAÚDE DA UNIVERSIDADE DE PORTO et al. O que é uma mutação fundadora? 2019 Disponível em: <https://www.cancronafamilia.org/pt/cancro-da-mama/risk-family/genetic-test/how-it-done/brcas-tests/what-founder-mutation/>. Acesso em: 27 jan. 2020
FREIRE-MAIA, N. et al. Genetic Investigations in a Northern Brazilian Island. Human Heredity. 1978.
NUSSBAUM, R. L.; MCINNES, R. R.; WILLARD, H. F. Thompson & Thompson: Genetics in Medicine. 8 ed. Philadelphia: Elsevier, 2016.
PEÑA, L. C. Genética de Populações. Curitiba: Departamento de Genética da Universidade Federal do Paraná, 2014. Color. XII Encontro Paranaense de Genética. Disponível em: <http://www.cig.ufpr.br/cig_2014/pdf/Auloes/AU08_CIGEPG2014_Aula_Populacoes.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2020
PEREIRA, M. de J. F. A “Encantada” Ilha dos Lençóis no Cenário do Ecoturismo: reflexões acerca do fenômeno turístico numa abordagem antropológica. Revista Pós Ciências Sociais, São Luís, v. 6, 2009. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/65>. Acesso em: 29 jan. 2020.
SHEWAN, E. J.; MCHUGH, M. J. Biology: A Search For Order In Complexity. 2 ed. Arlington Heights: Christian Liberty Press, 2006.
SOARES, R. C. P.; GUIMARÃES, C. M. Binismo: Aspectos Sociais e Necessidades de Políticas Públicas. Goiânia: Estudos, v. 41, 2014. Disponível em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rpcsoc/article/view/65>. Acesso em: 29 jan. 2020.
SYBILLA, L. Mutações Fundadoras: Futuro?. 2011. Disponível em: <https://www.momentumsaga.com/2011/04/mutacoes-fundadoras-futuro.html>. Acesso em: 27 jan. 2020.
THACHIL, J; OWUSU-OFORI, S.; BATES, I. Haematological Diseases in the Tropics. In: Manson's Tropical Infectious Diseases. 23 ed. Saunders Ltd., 2014.